terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O politicamente correto e o exercício da empatia

Quantas vezes se ouve falar, hoje em dia, sobre o politicamente correto? Nas redes sociais, o tema é recorrente. Alguns o são, outros o odeiam, é isso está se tornando mais um tema polarizado de debates. Esquerda versus direita, capitalista versus comunista, hétero e versus homossexual, cristão versus ateu etc. Esses temas de discussão têm sido a tônica dos debates atuais.
O problema é que se criou um clima de intolerância acerca de todos esses temas. Ou se é de extrema direita ou é comunista. Ou se aceita a doutrina cristã ipsis literis ou é cristofóbico, ou se aceita todos os atos dos movimentos de defesa das minorias ou é racista, homofóbico, machista, misógino etc.
Não existe mais meio termo. Eu não posso discordar das ideologias de esquerda sem desejar que o Bolsonaro seja presidente. Eu não posso mais concordar com ideias de alguém que é ateu, mesmo não sendo ideias ligadas à religião, sem estar contra os cristãos. Eu não posso mais ser a favor do casamento gay sendo hétero e sem ser contra a família. Percebem o engano? Eu não preciso ser extremista de coisa nenhuma. Posso formar minha opinião com nuances de várias ideias e grupos sem ofender ninguém.
Aliás, essa questão de ofender está visivelmente com parâmetros alterados. Antes da massificação das redes sociais, eu só podia ofender alguém se dirigisse a essa pessoa uma palavra, gesto, ofensa, e essa pessoa se sentisse ofendida. Hoje não, o simples fato de alguém dar sua opinião é motivo para que muitos outros se irritem, se ofendam, e até processem o autor dessa opinião sem sequer conhecer ou ao menos ser conhecido pela pessoa.
Vivemos a ditadura das opiniões. Ou você vira igual, pensa igual, fala igual, ou será alvo de ódio alheio na internet. Cada um pensa que está certo, sem jamais se colocar no lugar do outro, e ai de quem não concordar.
Entendeu onde quero chegar? Hoje existe a turma do politicamente correto, que atua como fiscal dos preconceitos alheios, pronta a expor ao ridículo ou ao tribunal virtual aquele que escorregar um pouco em sua opinião, falando algo um pouco diverso do que a mídia, a sociedade e alguns pseudo-filósofos acreditam ser o certo. Existe também a turma que rechaça esse comportamento, dizendo que sua opinião é um direito sagrado e que pode ser expressada sem limites, doa em quem doer.
Uns não se colocam no lugar dos outros.
Vou tentar explicar meu ponto de vista. Veja a problemática do racismo, das cotas raciais e de tudo que envolve esse tema. Um branco que é contra as cotas, muitas vezes, debate o tema sem se colocar no lugar de pessoas que, desde o Descobrimento, lidam com o preconceito diariamente. Acha muitas vezes que há privilégio para uma etnia em detrimento das outras, sem parar para pensar no que representou a maior tragédia do milênio passado, que significava a captura de pessoas em sua terra, em seu aprisionamento em navios insalubres, na sua submissão a trabalhos forçados e não remunerados, no seu flagelo, morte e em sua venda como mercadoria. Quando começaram a lutar por sua liberdade, os escravos foram relegados a viverem apartados da sociedade, acumulados em favelas, impedidos de ter escola de qualidade, saneamento básico, saúde e segurança.
Estatisticamente, há menos pessoas dessas etnias que foram submetidas à escravidão nas universidades. Estatisticamente há uma injustiça. Você pode não concordar, mas primeiro precisa ir além de apenas ter sua opinião. Precisa se colocar no lugar do outro.
Mensurar as oportunidades que ele teve na vida, ou melhor, tentar entender as oportunidades que  lhe foram tiradas pela cor de sua pele. Após esse exercício de empatia, ao dar sua opinião com respeito e moderação, serás ouvido e respeitado por pessoas dispostas a, igualmente, colocarem-se em seu lugar e pensar em seus argumentos sem menosprezo.
O contrário também existe. Defensores de pessoas oprimidas também cometem excessos, deixando de ouvir argumentos alheios e deixando de tentar entender a que tipo de educação, ideologias e pensamentos a pessoa foi exposta para pensar daquele jeito. Muitas vezes aquela pessoa não é simplesmente racista, sequer percebe que tem uma opinião preconceituosa. Se ele tiver seus olhos abertos com empatia, poderá reconhecer e se arrepender de seus erros.
A verdade é que não existe mais isso. As pessoas não entram em um debate dispostas a ouvir argumentos. Entram dispostas a convencer o outro e vencer a discussão. Isso simplesmente é impossível. Ninguém muda de opinião durante uma discussão. As pessoas se acaloram, gritam, brigam, e cada um sai pensando exatamente como pensava antes.
Expor argumentos com respeito, sem levantar a voz, sem ridicularizar a opinião do outro, seria a regra de ouro dos debates. Entrar em uma discussão para aprender com o outro, para evoluir seu pensamento, seria a melhor forma de interação intelectual. Entretanto, poucos fazem isso.
Se eu sou a favor da legalização do casamento entre pessoas do mesmo gênero, não quer dizer que eu seja contra a família. Até porque o conceito de família é dinâmico e mudou ao longo dos anos. Há 40 anos, muitas pessoas eram contra o divórcio e, para elas, ser a favor era ser contra a família. Hoje se pode conceber uma mulher e um homem continuarem juntos se detestando? Não. Hoje a sociedade superou o debate sobre o divórcio.
O mundo muda. Há 130 anos, muitas pessoas eram contra o fim da escravidão. Hoje sequer se cogita tal debate. Mudanças sociais são o que mantêm a sociedade em evolução, e devem ser encaradas com maturidade.
Nos anos 50, atrizes eram consideradas prostitutas, roqueiros eram bandidos satanistas e quem gostava de ler quadrinhos era vagabundo.
Hoje, quem não gosta de rock é considerado pouco culto, quem lê quadrinhos é geek ou nerd, atrizes são invejadas por quase todas as mulheres e desejadas por quase todos os homens. Até a palavra nerd mudou de significado, antes pejorativa e hoje praticamente um elogio.
Não adianta defender uma opinião com unhas e dentes, pois em cinco ou dez anos essa opinião estará antiga e não será mais defensável.
O mundo muda, as pessoas mudam, opiniões mudam.
Da próxima vez que enfrentar uma discussão, tente colocar isso em prática. Coloque-se no lugar do outro, tente ouvir, espere sua vez de falar. Fale em voz baixa. A tendência de quem ouve o outro falar em voz alta e tentar falar mais alto para se fazer ouvir. A tendência de quem ouve o outro falar calmamente e em tom normal é parar para ouvir, pois a segurança e calma do mesmo sugere que está falando algo importante.
Tenho convicção de que sua vida será mais fácil. Você ficará menos irritado nas conversas e será mais ouvido.
Eu estou tentando aprender a fazer isso. Não é fácil, espero conseguir.